Estou velha, eu sei!
Basta olhares para meu rosto e nele encontrarás as rugas da idade.
Sabes, já fui palácio, já fui castelo, já fui solar, tudo dependia de quem me vestia.
Tive gente que me vestiu de lã. Embalei tantos berços e embrulhei tanta criança que há muito perdi o conto! Enquanto cantava canções de ninar, as mães molhavam os dedos e apertavam os fios num fuso.
Tantos serões eu vivi! Eram rapazes e raparigas que faziam grandes novelos e faziam crescer a manta de retalhos que cobria minha enxerga de palha!
A enxerga da minha vida que de tão gasta acabou por se romper!
Oh, mas também já me vestiram de linho! Que beleza! Numa sala que também era um quarto, tinha uma mesa que em dias de festa na aldeia o uno dia de Páscoa se sentia muito vaidosa! Uma linda toalha de linho com quadradinhos de renda despertava a atenção de quem entrasse pela minha porta!
Tenho certeza que nenhum palácio tinha uma toalha tão linda!

Sabes, ainda me lembro de ver uma rapariga vestida de chita ali sentada, na soleira da porta a fazer essa toalha! Tinha um namorado que todos os dias, depois do sino da igreja mandar recolher a vinha visitar.
Ficava encostado à minha parede, com as mãos juntas apoiadas numa sachola, mas nunca os vi dar um beijo!
Estranho, não achas?
Por vezes, ele atirava para o colo dela umas pedrinhas muito pequeninas e ela levantava os olhos da toalha e sorria-lhe.
E um dia, em que ele trouxe um raminho de flores apanhadas no monte!?
Nunca vi a rapariga tão feliz!
Parecia que tinha recebido o anel de noivado que vivia nos sonhos dela! Sim, ela queria ser pedida aos pais como mandava a tradição e receber o anel de noivado, mas o rapaz não tinha dinheiro!
Não tinha, mas ia ter, porque sem ela saber ele andava a vender flores de carqueja e giesta para uma ervanária!
Levantava-se logo cedo para ir apanhar nos montes as flores e quando tivesse o dinheiro para o anel, iria pedi-la em casamento!
E esse dia chegou e o casamento também!
Ai como eu fiquei bonita nesse dia! Deram-me banho com sabão amarelo, enfeitaram-me com muitas flores e até uma colcha de linho estenderam na minha cama!...
Tu não sabes o que é belo! Olhas para mim com desdém, mas lembra-te que já fui muito rica!
Esta é mais uma fração das minhas memórias, das andanças e das conversas com o povo da minha terra. Cada canto, construção, pedaço de chão, rosto ou rugas desse povo, que faço parte com orgulho, tem muitas histórias, que não podem ser esquecidas e precisam ser revividas, através das palavras e das imagens, que procuro manter acesas na mente de todos.
