Quando o rebanho se afastava de Mões era uma loucura!  O sinal era dado por uma grande nuvem de pó que chegava ao céu e, ainda, pela chocalheira que se fazia ouvir à distância!

As pessoas vinham  das aldeias vizinhas, como Vila Franca, Grijó, Ribolhinhos, Courinha, Carvalhal  e faziam um cordão nos Casais de Dona Inês, para apreciarem  aquela  tradição milenar, que só era vista anualmente!  As crianças corriam sem receio dos enormes cães e, se  não fossem os pastores a impedi-las, misturavam-se com o rebanho, tal era o espanto ao verem um mar gigante de cabeças de gado a turvar-lhes o olhar!  Os rapazes mais atrevidos  tentavam a todo o custo roubar os pompons que enfeitavam as  cabeças dos chibos e, os mais aventureiros empenhavam-se para roubarem  alguma ovelha tresmalhada, isto é,  afastada do rebanho!  

Ao chegarem aos Casais de Dona Inês atravessavam a Estrada Nacional Dois o mais rápido possível,  subiam para Ribolhos, entravam na canada, que ficava entre o cemitério e a capela nova e continuavam pela calçada romana rumo à Ponte Pedrinha.

Assim que  o rebanho começasse a deslocar-se  por aquela via,  começavam a aparecer  pessoas no miradouro do Bairro do Castelo  em Castro Daire!  Com vista privilegiada daquele mirante, crianças, novos e velhos deslumbravam-se com um cenário  que era uma autêntica poesia pastoril, ao mesmo tempo que se ouvia “já lá vem o rebanho, já lá vem o rebanho!”

Foto: Anabela e Alexandre - Vagamundos

No percurso da calçada romana, o gado caminhava em caracol e ao chegar a S. Domingos,  os pastores com gestos autoritários esforçavam-se para libertarem a estrada, o mais rápido possível!

A passagem em cima da Ponte Pedrinha era indescritível.  Um interminável cortejo de animais colados uns aos outros atravessava o rio Paiva.  Demasiado cansado, com a língua de fora e encharcado de suor, o gado subia a calçada ladeirenta, chegava ao centro histórico da vila e surgia triunfante na rampa da Ferraria inundando a artéria  principal de Castro Daire.

Foto: 7 Maravilhas

Era o delírio de toda a multidão que aguardava a chegada  do   rebanho e “os amigos da Estrela”!  Num impulso entusiasta,  um grande aglomerado de gente aplaudia aquele espetáculo incontável,  inarrável e inexprimível apenas  com palavras,  tal era a sua imponência! Um espetáculo que para muitos, continuava na antiga Feira das Vacas, onde o rebanho ia pernoitar.  

Na verdade, há coisas na vida que têm que ser vistas e vividas para se sentirem intensamente e a rota da transumância faz parte desse universo!

Publicado em
30/9/2021
na categoria
Caminhos na História
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Celeste Almeida

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